“Foi sem querer querendo”
Usar ferramentas tecnológicas para aperfeiçoar qualquer prestação e serviço é algo bem-vindo, mas demanda cuidado
Certamente o leitor ou leitora conhece o seriado “Chaves”, que durante anos embalou as tardes do SBT. Sabe certamente que é uma obra ficcional, que apesar de retratar algumas dores humanas, não deixa de ser isso: uma obra ficcional.
Pois bem, no artigo passado, “Inteligência Artificial: será que estamos esquecendo como pensar?”, tratamos da massiva utilização de ferramentas de inteligência artificial e seus impactos na sociedade.
No final do mês passado foi divulgada uma decisão judicial do 2ºJuizado Especial da Cidade de Foz do Iguaçu, na qual se relatava que a petição inicial teria se utilizado de um precedente jurídico vindo da 1ªVara Cível do Foro da Vila do Chaves, cujo Juiz de Direito seria o Dr. Seu Madruga. Sim, aquele mesmo que devia aluguel ao Sr. Barriga.
Pode parecer chacota, mas tudo indica que a petição inicial foi fruto do (mal) uso da inteligência artificial, que levou não apenas ao indeferimento do pedido de antecipação de tutela, como a emenda à inicial. Traduzindo: prejuízos para a parte.
Usar ferramentas tecnológicas para aperfeiçoar qualquer prestação e serviço é algo bem-vindo, mas demanda cuidado. Em petições, a escrita deve ser uma preocupação constante, afinal é por meio dessas manifestações que o processo se forma e as decisões são tomadas. Mesmo que sem querer querendo, uma palavra mal colocada ou uma citação mal feita, pode comprometer o resultado. O mesmo vale para contratos, recibos e todo documento escrito.
Esse caso demonstra que por mais inteligente que seja o sistema, é preciso cuidado em sua utilização, sabendo dosar os momentos e capacitar aqueles que vão operar as ferramentas. Os impactos podem ser extremamente negativos se confiamos cegamente em algo que é capaz de inventar julgados — o que pode inclusive configurar crime de fraude processual.
E isso vale não só para os advogados. Todos aqueles que se envolvem no processo judicial — juízes, promotores, defensores públicos, serventuários, estagiários — devem estar atentos. Já há pelo menos um caso no CNJ para apurar o uso indevido de inteligência artificial em uma decisão judicial.
O uso da inteligência artificial traz inúmeros benefícios, mas também exige cautela para evitar consequências indesejadas. Assim como no icônico bordão do Chaves — “É que me escapuliu” —, a IA pode, por descuido, gerar informações imprecisas, enviesadas ou até prejudiciais se não for utilizada com responsabilidade. Pequenos deslizes podem ter grandes impactos, seja na disseminação de desinformação, na privacidade ou na tomada de decisões automatizadas. Por isso, é essencial que seu uso seja criterioso, com supervisão humana e ética, garantindo que a tecnologia trabalhe a nosso favor, sem que os erros “escapulam” e causem danos irreversíveis.