Itabira: lei que reserva vagas em concursos públicos para negros é sancionada

A Lei 5.288/2021, de autoria do vereador José Júlio Rodrigues “Júlio do Combem” (PP), que prevê a reserva de 20% das vagas em concursos públicos e processos seletivos para negros em Itabira, foi sancionada pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB) na tarde de quarta-feira (14). As cotas valem para cargos efetivos no âmbito da administração municipal, assim como todas as autarquias e fundações controladas pelo município.

“É um momento histórico para Itabira. A política pública baseada na política de cotas é o mínimo que nós podemos fazer para trazer essa população para um processo de igualdade, dar oportunidades e fazer a cidade mais justa, com igualdade para toda a população, principalmente para os negros, que são maioria em Itabira. A cidade conta com 59% da população que se declara negra ou parda”, destacou Marco Antônio Lage no ato de assinatura da nova legislação — batizada por ele como Lei Júlio Rodrigues.

Em maio, a Câmara de Itabira votou o projeto de lei 31/2021, que prevê a criação das cotas para negros em concursos públicos. Na ocasião, a proposta foi aprovada por unanimidade pelos vereadores. Durante a cerimônia de sanção da nova legislação, o seu autor, Júlio do Combem, afirmou que as cotas ainda são necessárias em uma sociedade onde a igualdade de oportunidades ainda está longe de acontecer.

“Somos iguais perante a lei, mas podemos perceber que, ainda hoje, homens pretos e mulheres pretas em nosso país não têm o mesmo acesso que os brancos. Eu me senti na obrigação de propor este projeto de lei, que pode ser uma esperança futura de igualdade entre todos”, relatou o vereador, que recentemente foi vítima de injúrias raciais na internet.

A cerimônia de assinatura, que aconteceu no auditório da Prefeitura de Itabira, também contou com a presença do secretário de Governo, Márcio Passos; da presidente do Conselho Municipal da Promoção e Igualdade Racial, Nyara Crispim; e o representante da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, Jesus Rosário Araújo.

Nyara Crispim enfatizou a importância da política de cotas para promover igualdade e equidade racial como meta para “colocar negros no mesmo âmbito de outras pessoas que sempre tiveram privilégios durante a vida”. A presidente do Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial ressaltou que este é um momento emblemático para a cidade. “Vamos garantir a fiscalização, o cumprimento e a implantação dessa lei, além de acompanhar a inserção dessas pessoas no serviço público, por meio de concursos”, afirmou.

Entenda a nova lei

De acordo com a Lei 5.288/2021, a reserva será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas em concursos públicos ou processos seletivos for igual ou superior a três por cargo ou emprego público. Além disso, os editais devem especificar o total de vagas correspondentes às reservas.

A nova legislação também estabelece que “poderão concorrer às vagas reservadas  a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos no ato da inscrição no concurso público ou no processo seletivo, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.

Além disso, em caso de aprovação, o candidato autodeclarado preto será “convocado para avaliação presencial perante comissão específica para confirmação da veracidade da autodeclaração, constituída de cinco servidores efetivos, sendo dois servidores de gestão de pessoal e três servidores do órgão responsável pela promoção da política pública de igualdade racial ou indicados e avalizadas por este”.

O processo de avaliação presencial deverá ser registrado de forma eletrônica através de fotos ou filmagens — podendo ser utilizado na análise de eventuais recursos apresentados pelos candidatos. Caso a autodeclaração não seja confirmada, o candidato será eliminado.

Em caso de falta ou desistência de candidato aprovado em vaga reservada, o posto será preenchido “pelo candidato negro posteriormente classificado”.

Racismo na web

O vereador Júlio do Combem foi vítima de ataques racistas na internet por votar contra uma moção de aplauso para a mineradora Vale. O caso aconteceu após uma entrevista concedida ao jornal O Trem Itabirano — publicado no dia 24 de junho na rede social Facebook.

Na entrevista, Júlio do Combem defendeu o seu posicionamento na Câmara de Itabira, já que foi o único vereador a votar contra a moção de aplauso para a Vale. Nos comentários da entrevista, o perfil “Carlos Borges Carlos” publicou uma série de comentários racistas e preconceituosos contra o vereador.

No dia 30 de junho, durante a reunião da Câmara de Itabira, Júlio do Combem subiu à tribuna para comentar o ocorrido. Na ocasião, o parlamentar destacou a importância das manifestações de apoio na luta contra o racismo e na construção de uma sociedade baseada no respeito.

“Caros colegas, esse foi e será a minha maior comprovação de tudo que acreditei e acredito valer a pena: o afeto. Senti diretamente esse afeto e isso guardarei para sempre. E é por isso que todos aqueles números que citei se tornaram tão importantes para mim. Não são apenas números de likes em uma rede social, como está na moda. Mas percebi nesses números que Itabira se sentiu ofendida”, disse Júlio do Combem à época.