Novo presídio em Itabira é “questão política” e de responsabilidade do Estado e da Vale; afirma Marco Lage

Enquanto isso, os efeitos da ausência do presídio se acumulam: famílias precisam percorrer longas distâncias para visitar detentos; audiências são remarcadas por falta de comunicação com unidades superlotadas; e policiais e agentes da Justiça enfrentam deslocamentos constantes

Novo presídio em Itabira é “questão política” e de responsabilidade do Estado e da Vale; afirma Marco Lage
Foto: Guilherme Guerra/DeFato
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Quase seis anos após o fechamento do antigo presídio, desativado em 2019 por estar na zona de autossalvamento (ZAS) da barragem de Itabiruçu, da Vale, Itabira continua sem unidade prisional e sem previsão concreta de quando deixará essa condição. A falta de avanço, segundo o prefeito Marco Antônio Lage, tem menos a ver com entraves técnicos e mais com a ausência de decisão política do Governo de Minas e com o papel da mineradora, responsável pela estrutura de risco.

Em entrevista concedida à DeFato na última terça-feira (2), o prefeito admitiu que as discussões estagnaram nos últimos meses e atribuiu o impasse à esfera estadual: “É uma questão política, acima de tudo. Provavelmente orçamentária também por parte do governo do Estado, haja vista a crise financeira. Mas nós temos feito diligências junto ao governo, junto à Vale, porque Itabira perdeu um presídio que o município construiu”, disse.

Enquanto isso, os efeitos da ausência do presídio se acumulam: famílias precisam percorrer longas distâncias para visitar detentos; audiências são remarcadas por falta de comunicação com unidades superlotadas; e policiais e agentes da Justiça enfrentam deslocamentos constantes. Durante uma audiência pública realizada em 2023, o juiz João Fábio Bomfim Machado Siqueira chegou a alertar que, nessas condições, o processo de ressocialização dos apenados “não existe” na cidade.

Para o prefeito, Governo de MG e Vale são responsáveis diretos pelo entrave

Na entrevista, Marco Lage frisou que o antigo presídio foi construído com recursos municipais, mas fechado por causa de um risco gerado por uma estrutura da Vale. Para ele, isso coloca o Estado e a mineradora no centro da responsabilidade pela solução: “É uma dívida que o governo do Estado e a Vale têm com Itabira, porque o fechamento foi em função da Vale, sobre a questão das barragens”. 

Logo após, a fala de Marco também mirou a falta de um encaminhamento definitivo, mesmo após diversas tratativas. Em maio, por exemplo, o vereador Bernardo Rosa (PSB) levou ao Estado uma alternativa de terreno (pertencente à própria Vale e fora da área de risco) para abrigar um novo presídio com cerca de 400 vagas. A área fica às margens da MG-129, próximo ao antigo prédio, mas em local considerado seguro. Passados sete meses após o encontro, nenhum anúncio oficial foi feito. 

Marco Lage conversa com o analista de Relacionamento Institucional da Vale, Luiz Augusto Magalhães. Foto: Guilherme Guerra/DeFato

Questionado sobre o possível local para construção, Marco Lage confirmou que há sugestões de áreas, mas disse que a Prefeitura só apresentará formalmente quando o governo estadual assumir decisão concreta: “Não mostramos antes porque isso gera conflito. Primeiro é preciso acertar com o Estado”.

“É uma solução que não chega. Eu acho que nós precisamos colocar isso à mesa no próximo ano, que é um ano eleitoral, que vão vir deputados, governadores. Vão vir candidatos a pedir voto em Itabira e é hora da gente colocar na mesa e exigir compromissos para que o presídio de pequeno porte seja restabelecido em Itabira”.

Marco Lage volta a rechaçar presídio de grande porte

Marco Antônio Lage também voltou a justificar por que rejeitou, no início de seu mandato, a proposta do governo mineiro para instalar em Itabira uma penitenciária de grande porte. O prefeito afirma que a decisão foi “responsável” e baseada em sua experiência no sistema prisional, destacando que já visitou presídios no Brasil e no exterior e é defensor do método da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), que ele considera mais eficiente na recuperação de detentos. Marco Lage atuou por 12 anos no Instituto Minas Pela Paz, da Fiemg, que tem diversos programas que priorizam a formação e a qualificação profissional de pessoas privadas de liberdade.

Para o prefeito, trazer para a cidade uma unidade com até 2 mil presos – porte do qual ele afirmou ser dez vezes mais do que a demanda local –, significaria repetir modelos que, segundo o próprio, são “desumanos”, caros, ineficazes e incapazes de proporcionar ressocialização. 

Lage argumenta que penitenciárias deste tipo atraem condenados de alta periculosidade e migrações de familiares e grupos associados, causando impactos sociais profundos, citando São Joaquim de Bicas e Ribeirão das Neves como exemplos de municípios que sofreram explosões populacionais sem estrutura correspondente, aumento da violência e sobrecarga permanente nos serviços públicos. O prefeito também enfatizou que o modelo de massa é um “fracasso multibilionário”, com reincidência de 85% e custo nacional de bilhões por ano, enquanto as APACs apresentam índices inversos.

“É desumano, eu não gostaria de ver os filhos de Itabira presos na penitenciária em condições desumanas, como é a realidade no Brasil. É só a gente ver o que é que se passa, e que não recupera ninguém. 85% dos presos nas penitenciárias reincidem no crime e o Brasil gasta perto de 30 bilhões de reais por ano para os presídios, para sustentar isso. Então, eu falo que é um fracasso multibilionário por conta disso, porque não tem resultado”. 

Desta forma, Lage defende que Itabira receba um presídio regional de pequeno porte, com cerca de 300 vagas, semelhante ao que existia antes. A estrutura, segundo o prefeito, é capaz de manter projetos de estudo, trabalho e reintegração, e não seria uma estrutura que, segundo ele, geraria poucos empregos, muitos problemas e nenhum benefício real para a cidade. Ainda em maio, durante entrevista à DeFato, o vereador Bernardo Rosa (PSB) afirmou que os recursos para esse modelo poderiam ser viabilizados pelo Termo de Autocomposição para a expansão da capacidade do Sistema Penitenciário de Minas, assinado este ano pelo MPMG, TCE-MG e Governo do Estado, que prevê a criação de mais de 22 mil vagas em Minas Gerais.

Marco Antônio Lage (de terno cinza, ao fundo) conversa com o juiz João Fábio Bomfim Machado Siqueira. Foto: Guilherme Guerra/DeFato

Incerteza sobre presídio pede união entre autoridades

Para João Paulo de Souza Júnior, que preside o Conselho da Comunidade na Execução Penal de Itabira, o impasse em torno do novo presídio persiste menos por falta de alternativas e mais pela ausência de prioridade política e institucional sobre um tema que envolve uma população vulnerável. Ele lembra que, apesar de se tratar de pessoas que cometeram crimes, há um dever de garantir condições mínimas de humanidade e um sistema voltado à ressocialização — algo que, segundo ele, o antigo presídio local conseguia oferecer com programas semelhantes aos das APACs. 

De acordo com João Paulo, para que a solução avance, é necessário que Prefeitura, Câmara e demais instituições assumam um “olhar atento” e encaminhem de forma clara ao Estado a intenção de restabelecer a estrutura prisional na cidade.  O presidente do Conselho cita que, mesmo compreendendo as dificuldades enfrentadas pelo município (como a adequação financeira e a crise hídrica) os prejuízos da ausência de uma unidade prisional continuam recaindo sobre advogados, operadores do Direito e principalmente sobre familiares dos detentos, que seguem enfrentando deslocamentos e dificuldades para garantir direitos básicos dos presos.

 Segundo ele, a reunião realizada em 2023 no Fórum, com presença de autoridades locais, indicou um início de alinhamento entre as instituições, mas ainda falta transparência com a população e um planejamento realista. “Eu não estou aqui, por exemplo, para poder dizer que alguém deixou de fazer alguma coisa. Mas é necessário que a gente se una”, afirmou.

João Paulo destaca ainda que o Estado está planejando unidades prisionais menores — modelo pelo qual o próprio prefeito demonstrou preferência — e defende que Itabira manifeste oficialmente interesse para não perder essa oportunidade. Ele menciona também a possibilidade de, ao menos, discutir uma cadeia pública ou até mesmo avaliar uma eventual reativação da antiga unidade, já que, segundo observa, parte das condicionantes exigidas pela Vale para a desativação parecem ter sido cumpridas. Para o avanço de qualquer solução, reforça, é indispensável que todas as instituições (Executivo, Judiciário, OAB, polícias e a própria Vale) caminhem juntas: “Porque ela [Vale] é a fiel responsável pela desativação então ela tem que nos trazer de volta”, concluiu.

João Paulo de Souza Junior
Foto: Guilherme Guerra/DeFato

Histórico

No primeiro semestre de 2021, Marco Antônio Lage optou pela não construção de um presídio de grande porte em Itabira — o empreendimento, negociado pelo governo de Minas Gerais, seria uma contrapartida pela desativação da unidade prisional local, ocorrida em 2019, devido aos riscos da mancha de inundação da barragem de rejeito de minério de Itabiruçu. A obra seria custeada integralmente pela Vale.

Em março de 2021, um ofício foi encaminhado pela Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) à Prefeitura de Itabira — com cópias para Cibele Mourão Barroso Figueiredo Oliveira, então juíza em Itabira, e Giuliana Talamoni Fonoff, promotora de Justiça — comunicando o fim das tratativas para a construção de um novo presídio e a transferência dessa obra para outra cidade, que acabou sendo Matipó. O documento foi emitido após o Executivo itabirano não se posicionar oficialmente sobre o interesse em erguer uma nova unidade prisional ou não.

Diversas entidades ligadas à segurança pública no município já se manifestaram a favor da unidade prisional — a exemplo do Conselho da Comunidade na Execução Penal, da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dentre outras. Mesmo assim, no início de março de 2023, o prefeito Marco Antônio Lage, durante inauguração de uma praça de esportes no bairro Praia, afirmou que não pretendia “construir presídio” na cidade — e destacou que tem como planejamento o investimento em áreas como Educação, Esporte e Saúde. As declarações não foram bem recebidas pelas instituições ligadas à segurança pública.

Posteriormente, em nota divulgada à época, a Prefeitura de Itabira disse que Marco Antônio Lage não era contra à unidade prisional, mas entendia que não deve aplicar recursos do município no empreendimento, já que a construção ou reativação do presídio é uma responsabilidade do Governo de Minas Gerais, responsável pela segurança pública, e da Vale, cujas atividades levaram ao fechamento da antiga cadeia da cidade.

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Antigo presídio de Itabira, às margens da MG-129 – Foto: Thales Benício/DeFato