O labirinto da burocracia e o sofrimento humano
Quando um cidadão gravemente enfermo aguarda, sem respostas claras, por uma transferência hospitalar ou por um procedimento essencial à sua recuperação, o que está em curso não é apenas um atraso: é a institucionalização da dor
Há momentos em que o tempo não se mede em horas, mas em angústia. Quando um cidadão gravemente enfermo aguarda, sem respostas claras, por uma transferência hospitalar ou por um procedimento essencial à sua recuperação, o que está em curso não é apenas um atraso: é a institucionalização da dor. A engrenagem dos serviços de saúde, envolta em linguagem técnica e rotinas padronizadas, acaba por desumanizar aquilo que precisaria ser prioridade — o zelo pela vida em sua urgência e fragilidade.
O caso do itabirano Herycson Ferreira, amplamente divulgado pela imprensa, evidencia como a morosidade nas deliberações e iniciativas entre diferentes níveis de gestão pode intensificar ainda mais o padecimento de quem já trava uma luta física e emocional. Mesmo com decisão judicial favorável à sua remoção, o paciente permaneceu dias aguardando um encaminhamento que tardava a se concretizar. E ainda que o desfecho mais recente aponte a autorização da transferência, a espera prolongada revela a face mais severa da burocracia: ela machuca antes de oferecer amparo.
Não se trata aqui de responsabilizar os profissionais da área, muitas vezes exauridos, tampouco de ignorar os processos exigidos por um sistema de alta complexidade. Trata-se, sim, de lançar um olhar crítico sobre como a lentidão, o acúmulo de exigências formais e a falta de sintonia entre instituições públicas e privadas podem transformar um direito fundamental — o acesso ágil e eficaz à assistência — em um verdadeiro martírio.
A gestão pública precisa organizar, não obstruir. Cabe promover equidade e dignidade, não aprofundar abismos de dor. Quando uma família se vê forçada a acionar o Judiciário para acelerar aquilo que a ética já teria que ter tornado inadiável, é sinal de que há algo profundamente desalinhado entre os valores que orientam o sistema e sua aplicação concreta.
E, nesse cenário, não é a finitude o único risco — é a perpetuação do sofrimento. A aflição física do paciente se soma à carga emocional da espera, da dúvida, da sensação de desamparo. Cada dia sem resposta é mais que um número no prontuário: é um fardo psicológico para quem agoniza, para seus entes queridos e para a coletividade. É um sentimento real de impotência, quando deveríamos estar acolhidos.
Ao fim, a pergunta que ecoa não é sobre quem precisaria ter feito mais, mas sobre quando seremos capazes de transformar os serviços de saúde em caminhos reais para o alívio e a cura — e não em labirintos onde vidas permanecem suspensas entre carimbos, ofícios e autorizações. Que o episódio envolvendo o Herycson sirva como um alerta: o sofrimento humano não pode aguardar pela próxima reunião administrativa. Ele exige urgência, empatia e, sobretudo, humanidade.
Que Deus nos proteja!
Sobre o colunista
Thiago Jacques é professor universitário, mestre em Administração, MBA em Marketing e Mídias Digitais e treinador na Escola Troka.
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