“Olho por olho, dente por dente” no judiciário não
A desaprovação social não é justificativa válida para ferir a dignidade e os direitos individuais

Nesta semana, foi amplamente divulgado um vídeo em que a esposa, ao invés de fazer um chá revelação em que contaria aos seus familiares que estaria grávida, surpreendeu a todos ao revelar relações extraconjugais de seu então marido.
Este, por sua vez, entendeu que a situação lhe causou humilhação pública e vexatória, ajuizando uma ação por danos morais com tutela de urgência para retirada do vídeo. Vejamos, seria possível o judiciário atender tais pedidos?
Ora, como já se sabe, o conteúdo foi amplamente divulgado, não sendo possível a sua retirada de todas as plataformas. Portanto, seria inviável ao judiciário restringir sua exibição, dada a abrangência do mundo virtual. Contudo, referente a condenação, a parte ré ao pagamento de danos morais, poderia ser questionável.
Não se trata, em hipótese alguma, de defender ou relativizar a pratica da traição, conduta que, por si só, fere a confiança e a lealdade esperadas nas relações afetivas. Todavia, é necessário compreender que a forma como essa traição foi exposta publicamente pode configurar uma afronta aos direitos da personalidade, especialmente quando utilizada como meio de vingança ou humilhação, mesmo não sendo esta a intenção, pois no direito o que importa é o resultado.
Tais direitos, assegurados pela Constituição e pela legislação infraconstitucional, tutelam aspectos essenciais da dignidade humana, como a honra, a imagem e intimidade, que não podem ser livremente violados, mesmo diante de mágoas legítimas.
A exposição do marido por meio de “chá revelação da traição”, ainda que criativa, escapa os limites do razoável e pode ser interpretada como ato ofensivo desproporcional. A publicidade dada ao fato, em contexto de exposição midiática e viralização em redes socias, transforma um conflito conjugal em espetáculo público de humilhação, o que pode ensejar na responsabilização civil por danos morais.
Ou seja, a desaprovação social não é justificativa válida para ferir a dignidade e os direitos individuais.
* Este artigo foi escrito com a participação ativa das advogadas Cecília D’ávia e Jucilene Querino.
Sobre os colunistas
Pedro Moreira é advogado, pós-graduado em Gestão Jurídica pelo IBMEC e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Atua nas áreas do direito civil e administrativo em Itabira e região.
Anna Karolina é advogada, pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela EBRADI. Atua nas áreas do direito civil, sucessório e imobiliário em Itabira e região.
Eles são sócios do escritório Pedro Moreira Advocacia e Gestão Jurídica.