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Quando a política se transforma em comédia

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À esquerda, Tancredo Neves, ao lado de Magalhães Pinto. Foto: FGV/Acervo

Alguns políticos têm talento natural para ironia e exponencial presença de espírito. São rápidos no gatilho da retórica. Em Minas Gerais, havia duas raposas com notória especialização na arte do embate com malícia: Tancredo Neves (1910-1985) e Magalhães Pinto (1909- 1996).

Esses personagens eram antítese em tudo. Além de ferrenhos adversários, detestavam-se pessoalmente. Em público, porém, se comportavam como atores de primeira. Quando se encontravam, principalmente em presença de testemunhas, iniciavam um mútuo processo de “rasgar a seda”. Um dia, os dois deram de cara no aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte. Tancredo e um assessor chegavam de Brasília. Magalhães embarcaria para o Rio de Janeiro. Os políticos trocaram um forte (e falso) abraço e começaram as costumeiras bajulações:

– Que satisfação lhe ver, dr Tancredo. O senhor está com uma expressão maravilhosa, comentou Magalhães.

Tancredo devolveu, sem pestanejar:

– Dr Magalhães, o senhor está muito jovial e saudável. A sua boa saúde é de extrema importância para Minas Gerais, retribuiu um sorridente Tancredo.

-E o amigo está vindo de onde? Quis saber Magalhães Pinto

– Acabei de chegar de Brasília, respondeu Neves, que indagou:

– E o nobre dr Magalhães vai viajar para que lugar?

– Vou ao Rio de Janeiro. Tenho um compromisso pessoal por lá

Depois desse rápido diálogo, se despediram calorosamente e cada um seguiu o seu rumo. Tancredo, então, com muita tranquilidade, revelou um enigma para o seu acompanhante:

– Veja só que curioso. Magalhães Pinto pensa que é muito esperto, mas não me engana de jeito nenhum.  Disse-me que está indo para o Rio só para que eu pense que ele irá a Brasília. Mas, na verdade, Magalhães viajou foi para o Rio mesmo.

O primeiro-ministro inglês Winston Churchill, herói da Segunda Guerra Mundial, tinha fama de parvo. Adorava navegar num copo de uísque. O charuto e uma surrada cartola eram suas inseparáveis companhias do cotidiano. O político britânico, porém, era mordaz e tinha um raciocínio pra lá de rápido. Numa ocasião, ele tentava fazer um discurso, mas era insistentemente interrompido por uma mulher, bastante agitada. Mal o premier abria a boca e a distinta o atropelava:

– Sir Churchill, o senhor não presta. O senhor não passa de um canalha!

Winston fazia uma pausa. Tentava retomar o tema, mas novamente era impedido.

– Churchill, o senhor é beberrão e mau caráter!

E o monótono roteiro parecia não ter fim. Até que a desesperada senhora disparou:

– Eu tenho ódio do senhor, Winston Churchill. Eu lhe detesto. Se o senhor fosse meu marido, eu daria um copo de veneno para o senhor beber.

O primeiro-ministro deu um largo sorriso e respondeu calmamente:

– Minha senhora, se eu fosse o seu marido, eu tomaria esse copo de veneno com muita satisfação.

O jornal mineiro “Binômio: Sombra e Água Fresca” foi uma criação dos jornalistas José Maria Rabelo e Euro Arantes. O órgão de imprensa circulou de 1952 a 1964, quando foi empastelado pela ditadura militar. A publicação era pura irreverência e adorava pegar no pé do então governador Juscelino Kubitschek (JK). Determinada época, Kubitschek foi a Araxá em companhia do empresário Joaquim Rolla.

“O Binômio” não deixou escapar a oportunidade e chegou às bancas com bombástica manchete: “JK foi a Araxá e levou Rolla”. Juscelino, um democrata muito bem-humorado, jamais se importou com as alfinetadas do periódico. JK é bom exemplo a ser seguido por políticos com nervos à flor da pele.

Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em DeFato Online.

O conteúdo expresso é de total responsabilidade do colunista e não representa a opinião da DeFato

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