Retrospectiva 2021: do sonho ao pesadelo
Ao contrário do primeiro semestre que foi marcado por boas surpresas para a economia, o segundo semestre não foi positivo
Sob o ponto de vista da precificação do Brasil pelo mercado financeiro, podemos dizer que em 2021 habitamos 2 BRASIS. De janeiro a março, vivemos a expectativa de que a vacinação e a velocidade da campanha nacional de imunização fossem capazes de promover a volta do setor de serviços, e, com o passar do tempo o combate ao vírus foi ganhando força. Em paralelo, no início de fevereiro, com o apoio do governo Bolsonaro, Arthur Lyra e Rodrigo Pacheco foram eleitos presidentes da Câmara e do Senado.
A derrota de Baleia Rossi e do grupo de Rodrigo Maia na câmara, e, a vitória do grupo de Alcolumbre no senado trouxe a expectativa de que finalmente a pauta econômica poderia andar e as tão esperadas reformas administrativa e tributária sairiam do papel e passariam para a prática como ferramentas indispensáveis para a melhoria das contas públicas tanto sob a ótica das despesas quanto pela ótica das receitas.
Um Estado mais enxuto administrativamente, mais eficiente e simples na cobrança e arrecadação de impostos e contribuições seria muito mais atrativo para receber investimentos, muito mais bem avaliado em relação ao risco desses investimentos, e, poderíamos ter um País muito mais estruturado para crescer. Nessa época, os ruídos políticos (destravamento da pauta econômica) criaram expectativas positivas em relação ao futuro da economia brasileira e o ápice dessa euforia foi dado pelo crescimento forte do PIB do primeiro trimestre de 2021, 1,2%.
Os números do PIB do primeiro trimestre foram divulgados no início de junho e turbinaram as projeções de crescimento do País de 3,5%a.a. para 5% a.a. A euforia tomou conta do mercado que, como sempre, precifica expectativas para depois se ajustar aos fatos. Precificado pela expectativa de maior crescimento da atividade econômica e, é claro, pelo crescimento das empresas, o índice Bovespa (IBOVESPA)principal indicador de desempenho da B3 (bolsa brasileira) bateu recorde histórico de alta tanto na valorização média das empresas quanto no volume negociado.
No dia 07/06, em pontos, o IBOVESPA atingiu 131.190, a taxa real de juros paga pela NTN-B com vencimento em 2024 estava em 2,79%a.a. e o dólar fechou na menor cotação do ano em 25/06, valendo R$4,92. Em paralelo, a inflação global e a inflação brasileira ainda eram tratadas como transitórias pelos bancos centrais. Nos EUA e na zona do euro a indicação era a de que os juros só voltariam a subir no final de 2022. No Brasil, o Banco Central iniciou, na reunião de março, o aperto monetário na tentativa de frear as expectativas inflacionárias. A taxa SELIC começou a subir na reunião de 17/03 e passou de 2%a.a. para 3,5%a.a. na reunião de 16/06. Até o final de junho a autoridade monetária agiu de forma branda na elevação dos juros para estimular a recuperação da atividade econômica.
Ao contrário do primeiro semestre que foi marcado por boas surpresas para a economia, o segundo semestre começa com uma geada inesperada em intensidade que devastou lavouras de café e de hortifrutis no sul e sudeste do país aumentando a pressão no preço dos alimentos e pelo o anúncio da crise hídrica e a adoção da bandeira tarifária de escassez hídrica, 50 % mais cara que a bandeira vermelha e no valor de R14,20 a cada 100kWH (quilowatts-hora) que passou a ser cobrada em setembro. Em nível global a escassez de carvão na China e na Índia, a falta de gás para aquecimento na Europa, a crise hídrica no Brasil somados ao aumento da mobilidade global em decorrência do processo de imunização aumentaram a demanda por petróleo e o preço da commodity disparou atingindo o maior patamar dos últimos 7 anos.
A inflação passou a ser o foco de preocupação mundial. No Brasil, o nível de inflação passou a ser ainda mais pressionado pelas incertezas fiscais causadas pela necessidade de acomodar no orçamento de 2022 o pagamento de precatórios, o aumento da base e do valor do benefício do auxílio Brasil e a sede inesgotável por recursos de emendas e de financiamento de campanhas dos congressistas.
A recuperação dos direitos políticos do ex-presidente Lula também contribuiu para a precificação descontada do Brasil pelo mercado financeiro já que antecipou o processo eleitoral de 2022, tornando o jogo de xadrez entre governo e congresso ainda mais truncado. Se abafarmos o ruído político, podemos dizer que 2021 foi um ano de superação. Sob o ponto de vista da economia, a atividade econômica e o nível de emprego retornaram ao patamar pré-pandemia, a arrecadação da receita federal e a balança comercial bateram recordes históricos, o desempenho das contas públicas e o nosso nível de endividamento foram surpresas positivas.
Que venha 2022, um ano que deverá ser marcado pelo combate à inflação e pelas eleições e que por isso mesmo deverá registrar muita volatilidade nos mercados.
Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis
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