Tudo Passa! Reflexões sobre a economia pós-pandemia

Neste cenário de início de retomada prevalece o medo de uma segunda onda e a esperança da descoberta da vacina ou de um antiviral capaz de combater o vírus. E como fica a economia?

Tudo Passa! Reflexões sobre a economia pós-pandemia

Aos poucos, o mundo tenta voltar ao novo normal, mas, sem saber ao certo como será a nova ordem mundial. Essa terceira guerra travada pelo planeta contra a Covid-19 trouxe novos hábitos e um olhar sobre a economia a partir da constatação da importância da vida.

A globalização parecia navegar em velocidade de cruzeiro quando o vírus chegou também em velocidade de cruzeiro para invadir os pulmões e tirar o fôlego da economia.

Neste cenário de início de retomada prevalece o medo de uma segunda onda e a esperança da descoberta da vacina ou de um antiviral capaz de combater o vírus. E como fica a economia?

Alguns setores ainda estão praticamente paralisados e devem ter uma retomada lenta. Turismo e lazer, juntamente com o setor de aviação e viagens marítimas, sofreram as maiores perdas da história. As pessoas estão em casa, os aviões no chão, os gigantescos navios de cruzeiro ancorados, shows e eventos cancelados sem previsão e sem protocolos seguros para a retomada. O presidente executivo da Boeing , David Calhoun , em entrevista ao Today Show acha que o setor de aviação aérea pode demorar de 3 a 5 anos para retornar aos níveis que estava antes da pandemia, mas nada será como antes. Na opinião dele, protocolos de segurança serão adotados por aeroportos e dentro das aeronaves. A retomada do setor deste “estado apocalípitico”, como ele chamou este momento, no curto prazo, deve começar em setembro e até o final do ano o tráfego aéreo deverá ser de 25% a 50% do que era.

WarrenBuffet um dos maiores investidores do planeta, em reunião anual com os investidores do seu fundo, pediu desculpas por ter investido em empresas aéreas e se desfez de todas as ações do setor que carregava em seu portfólio. Governos e bancos no mundo inteiro estudam inclusive a compra, com dinheiro público, de companhias aéreas. Já as perdas nos pequenos negócios de hotéis, pousadas, bares e restaurantes podem ser irreversíveis na maioria dos casos dada a falta de caixa e a dificuldade de acesso a linhas de crédito para manter os negócios fechados durante o isolamento social. O setor automotivo, que teve que fechar indústrias e paralisar a produção, deve ter um processo mais rápido de recuperação e em um segundo momento pode se beneficiar dependendo das restrições e protocolos impostos ao transporte de massa e ao funcionamento e operação de estações de metrô, estações ferroviárias, rodoviárias e aeroportos.

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Setores que podem se dar bem e os que podem se dar mal após a pandemia – Fonte: Dcode

O mercado imobiliário e a construção civil voltada para imóveis residenciais, que vinham ganhando tração e ajudando na recuperação do PIB da indústria, devem apresentar uma forte retração em função do aumento do desemprego e da queda na renda do brasileiro. Em contrapartida, a construção pesada deve ser beneficiada com o investimento público e privado em infraestrutura no pós-pandemia. A desvalorização do real perante o dólar no ano de 2020 já é superior a 40%, o que faz da moeda brasileira a moeda emergente que mais se desvalorizou em relação ao dólar e, por isso mesmo, tornando o investimento em negócios no Brasil altamente atrativo para os estrangeiros. O próprio ministro Paulo Guedes já disse que o “S” do B.N.D.E.S será de saneamento, além da expectativa de investimento em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos que passarão por leilões de concessões.

Os bancos comerciais já mostram em seus balanços do primeiro trimestre do ano a expectativa de aumento da inadimplência e, consequentemente, o aumento das provisões para fazer frente às possíveis perdas. O mercado de crédito deve operar com muita cautela até que haja uma definição mais clara da extensão do isolamento social e seus impactos nos diversos setores da economia. Dentre os mercados financeiros, no Brasil ganha destaque o mercado de capitais, aquele aonde o público financia o crescimento das empresas através da compra de ações ou de títulos de dívida corporativa, ganha força e novos investidores dispostos a correr  riscos, a financiar o setor produtivo para conseguirem rentabilizar suas aplicações em um ambiente de juros reais próximos de zero.

Ao final de 2017, a B3, a bolsa brasileira, antiga Bovespa, tinha 600 mil investidores pessoa física cadastrados. Ao final de 2018, cerca de 800 mil; e, ao final de abril de 2020, 2.4 milhões, um crescimento de 300% em menos de 3 anos. A queda histórica na taxa básica de juros, a SELIC, está mudando radicalmente a carteira de investimentos do brasileiro. Até o final de abril, segundo dados da ANBIMA, a saída líquida de recursos dos fundos de renda fixa atingiu o volume recorde de R$ 120,78 bilhões, em 2020. Esse ambiente de juros baixos e de investidores dispostos a investir em negócios e não em ativos financeiros será favorável para a retomada da economia brasileira.

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Perfil dos investidores na B3

O setor de óleo e gás, que foi o queridinho das gestões Lula e Dilma, em especial depois da descoberta do pré-sal, foi duplamente atingido pela crise. Primeiro pela queda abrupta da demanda global em decorrência do isolamento social e depois pela decisão de árabes e russos em vender a commodity em um novo patamar de preços, em torno de US$ 15,00/barril. O balanço da Petrobrás divulgado na semana passada mostra em números essa nova realidade. Depois de registrar o maior lucro da sua história no quarto trimestre de 2019, a empresa registrou o maior prejuízo também da história no primeiro trimestre deste ano por ter que aplicar o impairment com o intuito de ajustar o valor contábil de seus ativos  para o valor justo diante da queda do preço do barril de petróleo. Essa baixa contábil se concentrou nos campos produtores (R$ 57,2 bilhões) e ainda foi dada baixa de R$ 6,625 bilhões devido à hibernação das 62 plataformas em águas rasas que não têm perspectivas de retorno das operações. A Petrobrás trabalha com um preço de barril de petróleo entre US$ 25,00 a US$ 30,00/barril até o final do ano que vem e acredita que a recuperação da demanda e dos preços será lenta. Diante desta nova realidade dos preços do barril de petróleo a empresa anunciou o corte de 30% de seus investimentos para este ano.

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Valorização das moedas frente ao dolar – Fonte: Thomson Reuters Datastream

No setor de educação, o EAD (Ensino A Distância) veio para entrar de vez não como ferramenta auxiliar ou complementar, mas como ferramenta básica para a disseminação de aulas e conteúdo de qualidade. O ensino público deverá ser repensado em relação ao uso dos recursos financeiros e didáticos, já que o acesso à internet de banda larga, o uso de computadores, tablets e smartfones podem se transformar no passaporte para uma educação uniforme, democrática e de alta qualidade disponibilizada, em tempo real, para todo o país.

A pandemia deixou claro que a maioria dos países transferiu grande parte de seu parque industrial para a China e essa dependência deve fazer parte de discussões estratégicas de política econômica ao redor do mundo. A globalização já está sendo repensada e redesenhada. O Brasil sairá da crise mais preparado para diminuir a dependência dos chineses dada a desvalorização do Real de mais de 40% nesse ano o que possibilitará o ressurgimento de parte da nossa indústria e o fortalecimento da competitividade de nossos produtos no mercado internacional. A força do agronegócio nos dá um grande diferencial competitivo, somos o celeiro do mundo e produzimos proteína vegetal e animal de qualidade para suprirmos a demanda interna e abastecermos o planeta. Essa tranquilidade alimentar é privilégio de poucos países. A preocupação com a saúde e com os cuidados pessoais deve abrir espaço para um mercado de alimentos diferenciados, como os orgânicos, e o Brasil pode se tornar referência neste tipo de produção. Temos cada vez mais condições de agregarmos valor às commodities produzidas aqui e aproveitar dessa penetração que já temos na cadeia alimentícia global.

O isolamento social nos trouxe, como parceiros, o e-commerce, o home office e o Ensino à Distância, e descobrimos que a tecnologia pode nos dar a velocidade, a onipresença e assim nos presentear com o tempo para nós mesmos, que era antes tão escasso e tão perdido nos congestionamentos urbanos, nos voos atrasados ou cancelados, no deslocamento em cidades cada vez mais megalópoles, habitadas por pessoas com agendas cada vez mais lotadas.

Na prática, como podemos avaliar algumas dessas mudanças? Deixo aqui alguns exemplos: em apenas 10 meses, a Via Varejo, empresa detentora das Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, implantou o comércio eletrônico que hoje já representa 35% do volume total de vendas. O número de clientes ativos usando o app para compras já é de quase 11 milhões. A Arezzo informou que a receita bruta da companhia está em 60% do que era em fevereiro, com 90% das lojas fechadas graças a um crescimento de 250% das vendas online. A Ambev teve, ao patrocinar as lives dos sertanejos, um retorno em visibilidade e público 24 vezes maior do que o obtido em uma Copa do Mundo. O valor de mercado da Mercado Livre, que é negociada na NASDAQ, já é maior do que o do Itaú. A XP Corretora já vale mais do que o Banco do Brasil, e a Zoom, plataforma de vídeo-comunicação, está valendo mais do que a mineradora Vale.

No século do conhecimento que produziu e produz inovação, comunicação e tecnologia, o ser humano parou e se isolou fisicamente para combater a COVID-19, mas descobriu que as pontes digitais que havia construído eram capazes de manter e intensificar a comunicação, o afeto, a solidariedade e o amor necessários para vencermos o vírus.

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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