O miserê da Vale na Cfem e na Covid-19

Ao mesmo tempo em que chama atenção a queda drástica nos royalties pagos à Itabira, também é notório como a mineradora regula à cidade em que nasceu o apoio no combate ao coronavírus

O miserê da Vale na Cfem e na Covid-19
Doações da Vale foram entregues no HNSD – Foto: Arquivo DeFato

A Vale está de mãos fechadas para Itabira e parece que nem a pandemia do coronavírus vá fazer com que a gigante da mineração olhe com mais carinho para a cidade em que nasceu para o mundo. A Prefeitura aguarda há quase um mês uma resposta sobre o pedido de ajuda na construção dos novos leitos e o que recebeu, até agora, foram algumas caixas com doações de materiais para o Hospital Nossa Senhora das Dores – o mesmo que foi feito pela empresa em João Monlevade (onde nem atua!) e Barão de Cocais. Nem mesmo os testes rápidos comprados na China, anunciados aos quatro ventos pela área de marketing da mineradora, foram destinados ao município mais explorado pela Vale em sua história.

Ao mesmo tempo, é de se estranhar a queda vertiginosa na Cfem (Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais) neste ano. Com dólar nas alturas e o preço do minério praticamente sem variações, como explicar uma redução de quase 70% entre o que era pago em novembro e o que foi pago em abril? Como confiar em números que são apurados, informados e certificados por quem tem a obrigação de pagar? Sendo grosseiro e lançando mão de um velho ditado popular: você permitiria que a raposa tomasse conta do galinheiro?

A queda nos royalties foi mostrada por este portal na última sexta-feira (24), com falas fortes do secretário de Fazenda, Marcos Alvarenga. Destaco a passagem em que ele menciona a sensação das empresas de estarem fazendo favor aos municípios mineradores quando permitem conferir os números dos royalties. É absurdo! A cidade, já recheada de problemas sociais por causa da atividade exploratória, ainda tem que correr atrás para saber se não está sendo desfalcada financeiramente.

E se já não bastasse essa situação constrangedora, a Vale ainda ignora o pedido de ajuda feito pela cidade em um momento delicado como é o da ameaça do coronavírus. Como se todas as nuvens de poeira, toda aquela quantidade de partículas poluidoras que vai direto para os pulmões dos itabiranos, já não fossem suficientes. Ao fechar os olhos para a solicitação de contribuição na construção dos novos leitos, a mineradora não ignora apenas o Poder Público de Itabira, mas mais ainda os milhares de habitantes que já sofrem diariamente de problemas respiratórios provocados pela atividade que exerce há mais de 70 anos.

Em João Monlevade, cidade vizinha e que recebeu ajuda idêntica à de Itabira por parte da Vale, a siderúrgica ArcelorMittal doou R$ 4 milhões ao hospital do município. A título de comparação, a empresa destinou ao sistema de saúde monlevadense, de uma só vez, quase o mesmo montante que a Vale pagou à prefeitura itabirana em abril como forma de compensação por arrancar minério um mês inteiro.

Nas vizinhas Santa Bárbara e Barão de Cocais, a mineradora AngloGold Ashanti desembolsou R$ 1,5 milhão para equipar hospitais da cidade. Comprou respiradores, ajudou na ampliação de leitos e na aquisição de outros utensílios médicos. Aliás, em Barão de Cocais, onde é responsável por revirar a vida de centenas de pessoas de cabeça para baixo, por causa de uma barragem que pode se romper, a Vale também só contribuiu com máscaras e aventais.

São apenas exemplos mais próximos. Não cabe aqui nem enumerar ações de outras grandes empresas em cidades espalhadas pelo Brasil. Hospitais sendo construídos, entidades completamente sustentadas, toneladas de alimentos e insumos sendo distribuídos… ficaria muito discrepante.

Cobrar da Vale uma atenção mais digna com Itabira não é nenhuma novidade, convenhamos. Incrível mesmo é que isso ainda não seja uma agenda da empresa, mesmo com o adeus tão próximo, batendo à porta. Se nem a pandemia é capaz de amolecer o coração de ferro da companhia, o que será?

Há gente na cidade satisfeito e até querendo capitalizar em cima das poucas caixas de doação que a Vale desceu de um gigantesco caminhão na frente do hospital. Pois a mim não convence!

Gustavo Milânio é advogado e chefe de gabinete da Presidência do TCE/MG

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