Cfem da Vale despenca 64% em Itabira e reacende desconfiança sobre valores pagos

Royalty pago pela mineradora em abril foi o menor repasse do ano. De R$ 15 milhões recebidos em janeiro, compensação caiu para apenas R$ 5 milhões neste mês de abril

Cfem da Vale despenca 64% em Itabira e reacende desconfiança sobre valores pagos
Desconfiança cerca minério de Itabira extraído pela Vale – Foto: Rodrigo Andrade/DeFato

Um assunto tratado pela Prefeitura de Itabira no primeiro semestre do ano passado voltou à tona neste mês de abril na área financeira do governo municipal. Novamente, uma forte oscilação negativa nos valores da Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais (Cfem), pagos pela Vale, levantam desconfiança entre membros do Poder Executivo. Mesmo sem fatores que justifiquem queda tão drástica, segundo avalia a Secretaria de Fazenda, neste primeiro quadrimestre, os royalties despencaram 64% e atingiram o menor valor desde fevereiro de 2018, quando ainda não eram sentidos os efeitos da nova alíquota que turbinou a Cfem em todo país.  

Em janeiro deste ano, a Prefeitura de Itabira recebeu R$ 15 milhões de royalties da mineração. Em fevereiro, esse valor caiu para R$ 10,4 milhões, um recuo de 30%. Em março, o pagamento foi de R$ 8,8 milhões, diminuição de 41% em relação ao primeiro mês do ano. Já em abril, a Cfem foi ao chão: R$ 5,3 milhões, uma retração de 64% na comparação com janeiro.  

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Cfem Itabira: janeiro a abril

A oscilação fica ainda mais clara quando apresentados números do último bimestre de 2019. No ano passado, em novembro, os royalties alcançaram R$ 17,8 milhões; em dezembro, R$ 14 milhões. Colocando lado a lado o melhor resultado, em novembro de 2019, e o pior, em abril de 2020, a queda é de 70% em seis meses. Uma variação que assustou o secretário Marcos Alvarenga, responsável pelas finanças da Prefeitura de Itabira.  

“É uma oscilação muito grande. A arrecadação segue três meses equilibrados e, de repente, apresenta essa queda e chega a praticamente um terço do que já foi”, comenta o secretário de Fazenda.

A queda é tão forte que lançou a arrecadação da Cfem de Itabira ao patamar da antiga legislação, quando a compensação ainda era cobrada sobre 2% da arrecadação líquida das mineradoras. Em fevereiro de 2018, o município recebeu R$ 4,8 milhões de royalties. No mês seguinte, quando passou a valer os efeitos da nova alíquota, de 3,5% sobre a arrecadação bruta, os depósitos mensais subiram, sempre com oscilações consideradas normais, com exceção do que foi reclamado no ano passado e agora neste mês de abril.  

Sem efeitos da pandemia 

Marcos Alvarenga explica que os efeitos da pandemia do coronavírus não podem servir de justificativa para a queda na arrecadação da Cfem em Itabira. Isso porque o dinheiro da compensação só cai na conta da Prefeitura três meses depois da apuração. Ou seja, o montante pago em abril corresponde à venda do minério de ferro de janeiro, quando a pandemia ainda não dava as caras em terras brasileiras. Além disso, o secretário acrescenta que fatores predominantes na comercialização desse tipo de commodity, como o valor do dólar e do próprio mineral se mantiveram estáveis nesse período.  

A própria Vale, em seu relatório de produção do primeiro trimestre de 2020, divulgado nesta semana, afirma que “em geral, no 1T20, a produção nos negócios da Vale sofreu um impacto limitado devido à pandemia do COVID-19″. Na área do minério de ferro, a empresa diz que a única interrupção foi em um terminal portuário da Malásia, mesmo assim sem qualquer prejuízo para a área produtiva. A mineradora estima que os impactos deverão ser mais severos nos próximos meses, caso ocorra uma escalada de casos nas cidades onde atua ou sejam necessárias medidas mais importantes para proteger os funcionários.  

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Secretário Marcos Alvarenga afasta possibilidade de interferência da pandemia do coronavírus nos valores da Cfem – Foto: Rodrigo Andrade/DeFato

Autonomia na fiscalização: a única solução 

Da mesma forma em que bateu nesta tecla no ano passado, o secretário Marcos Alvarenga insiste que a desconfiança só deixará de existir na relação entre Prefeitura de Itabira e Vale no momento em que o município tiver autonomia para promover a fiscalização do que é comercializado. Essa é uma luta antiga das cidades, por meio da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig), mas ainda sem resultados. Enquanto isso, a Agência Nacional de Mineração (ANM) segue sucateada e sem equipes suficientes para promover a fiscalização correta.  

“Nós temos um problema que é não conseguir acompanhar as reais informações que são produzidas pelas mineradoras. É uma batalha muito grande que o município de Itabira e a Amig estão buscando junto à ANM, mas que, na verdade, não evolui. A estrutura da Agência é muito limitada e não há, pelo menos a curto prazo, nenhum movimento de se transferir a responsabilidade para o município fazer essa fiscalização. Então, efetivamente, a gente fica com o número que é declarado pela empresa. Não é possível checar números e valores”, lamenta Marcos Alvarenga.

No ano passado, após a reclamação insistente de membros do governo municipal, incluindo o prefeito Ronaldo Magalhães, diretores da Vale vieram a Itabira e detalharam os números que eram questionados pelo governo local. Agora, o secretário da Fazenda diz que ainda não procurou a mineradora, mas pondera que, mesmo que a ação se repita, não pode servir como um “favor” de quem explora o solo do município.   

“Para a gente ter uma relação realmente aberta, com números passíveis de serem comprovados, é fundamental que os municípios possam fiscalizar. Hoje, o que a gente tem é quase que um favor das empresas de liberar os números quando solicitados. E isso não pode ser um favor. Há uma legislação, é o minério da cidade, do país, que está sendo extraído. Existe uma agência que deveria ter essa função, mas que não faz e nem permite aos municípios fazerem. E o Estado também tem papel nisso. Minas Gerais perde muito com essa falta de fiscalização”, critica Alvarenga.

O secretário insiste que a relação de transparência só se dará quando fiscais da cidade puderem exigir “informações, relatórios de produção, de venda, valores deduzidos e base de cálculo”. Ele cita que a última fiscalização totalmente concluída, patrocinada pelo Poder Público, se deu em 2005 e resultou em arrecadações milionárias para os municípios mineradores, devido a descontos indevidos feitos pelas Vale. “E hoje você tem a questão da decadência. A cada mês que passa, você perde o direito de fiscalizar dez anos atrás. É uma referência que se perde. Somente com a fiscalização a gente terá a segurança. Hoje, não temos isso”, finaliza. 

Outro lado

Procurada por DeFato Online para se manifestar sobre a queda na arrecadação dos royalties e as críticas da Prefeitura de Itabira, a Vale, até a publicação desta matéria, não havia enviado resposta à redação. 

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