Xô Covid!

“Abril mostrou o tamanho do estrago da pandemia e foi, no meu entender, o fundo do poço da economia global e brasileira”

Xô Covid!

O segundo semestre do ano já foi parar no retrovisor do carro chamado Brasil, mas, venhamos e convenhamos, o segundo trimestre foi cheio de emoções. Abril mostrou o tamanho do estrago da pandemia e foi, no meu entender, o fundo do poço da economia global e brasileira. A retração em todos os índices de atividade econômica e de emprego bateram recordes históricos enquanto o vírus se espalhava pelas Américas e era domado na Ásia e na Europa. A volta da quase normalidade na Ásia, o início da flexibilização na Europa e posteriormente nos EUA e até mesmo no Brasil colocaram na mesa e no cardápio dos investidores globais o ingrediente favorito, aquele que faz os agentes econômicos se anteciparem ao futuro: a expectativa. Nesse caso, a expectativa da retomada da economia, que abriu de forma voraz o apetite pelo risco.

Da segunda quinzena de maio em diante, o investidor global foi às compras como se não houvesse amanhã… com covid-19. As bolsas dispararam pelo mundo em uma intensidade que não víamos há anos. O índice Bovespa, principal indicador de desempenho da bolsa brasileira, teve uma valorização de 30,2% no segundo trimestre do ano, o melhor resultado trimestral desde 2003 e a maior alta para um segundo trimestre do ano desde 1997. O índice Nasdaq de empresas de tecnologia, além de ter tido o melhor trimestre desde 2001, registrou a sua máxima histórica, aquilo que os americanos chamam de all time high, e não foi diferente o comportamento do Índice Dow Jones, que teve o melhor trimestre desde 1987; e do SP 500, que teve o melhor trimestre desde 1998.

Da mesma forma que a queda da taxa básica de juros, a SELIC, e a manutenção de juros baixos pelo planeta afora, dada a fraqueza da atividade econômica em razão da crise da covid-19, turbinaram as bolsas e seus respectivos índices para cima, também fortaleceram o dólar, em especial em relação às moedas de países emergentes com saída forte de capital estrangeiro, como foi o caso do Brasil. O Real terminou o semestre como a moeda de pior performance em relação ao dólar. Em junho, a moeda americana fechou em alta de 1,9%; no segundo trimestre, acumulou uma valorização de 4,7%; mas, no semestre, a nossa moeda se desvalorizou 35,6% em relação ao dólar. Nos seis primeiros meses do ano, o dólar só caiu frente ao Real em maio. Além do Real, as moedas de pior desempenho foram o Rand, da África do Sul, com uma queda de 24%, e o Peso Mexicano, que caiu 21% em relação à moeda americana.

Na semana passada tivemos um festival de indicadores globais e nacionais mostrando que abril pode ter sido mesmo o fundo do poço e que daqui para frente temos que monitorar a velocidade e a intensidade da recuperação da atividade econômica.

Desde segunda feira passada tivemos bons números para a economia. Na China, o lucro das grandes empresas industriais cresceu 6% em maio se compararmos com maio do ano passado, isso depois de uma retração de 4,7% em abril na mesma base de comparação. Tivemos também ao longo da semana a divulgação do PMI que é um índice calculado pelo IHS Markit, que mede o nível de atividade industrial e do setor de serviços. O índice vai de 0 a 100, e, quando está acima de 50, indica que a atividade está em expansão e abaixo de 50 que está em contração. Na China, tanto o setor industrial quanto o setor de serviços já estão acima de 50, o PMI do setor industrial passou de 50,6 em maio para 50,9 em junho e o de serviços subiu de 55 para 58,4. Nos Estados Unidos, o PMI da Indústria também mostrou força e subiu de 43,1em maio para 52,6 em junho. Na zona do Euro, o número continua abaixo de 50, mas subiu de 39,4 em maio para 47,4 em junho e foi o melhor resultado nos últimos 4 meses. Aqui no Brasil, a alta também foi forte para o PMI industrial, que subiu de 38,3 em maio para 51,6 em junho.

A semana passada também foi marcada pelo aumento dos casos de covid nos Estados Unidos e no Brasil e que teve como consequência a interrupção da progressão da flexibilização do isolamento social em estados importantes na formação do PIB americano, como Nova York, Flórida e Califórnia. E é aí que reside hoje a maior preocupação sob o ponto de vista da velocidade e intensidade da recuperação econômica global, já que o setor de serviços não está totalmente flexibilizado e é o primeiro a ser novamente fechado quando o vírus mostra força na propagação. Isso explica a menor intensidade na recuperação dos PMIs do setor de serviços das economias ocidentais, já que no Oriente, as principais economias, China, Japão e Coréia do Sul, estão operando quase que na normalidade.

O setor de serviços é o mais importante na composição relativa do Produto Interno Bruto, respondendo nos EUA e na Zona do Euro por cerca de 90% da geração de riquezas e aqui no Brasil responde por cerca de 70%. O PMI do setor de serviços nos EUA subiu de 37,5 em maio para 46,7 em junho. Na Zona do Euro, o PMI do setor de serviços saltou de 30,5 em maio para 48,3 em junho e, aqui no Brasil, de 27,6 para 35,9. A conclusão é a de que os números da indústria mostram uma recuperação mais forte no setor e a de que a volta de uma nova onda de contaminação capaz de retardar a flexibilização – e isto já está acontecendo – pode retardar a intensidade da retomada do setor de serviços e, consequentemente, a intensidade da retomada da economia como um todo, dada a relevância do setor de serviços.

Mas em paralelo às preocupações com uma nova onda do vírus, a semana passada também foi marcada por uma onda de otimismo em relação ao surgimento de uma vacina ainda este ano, o que ajudou a melhorar o humor dos mercados. Na quinta feira, antes do feriado de 4 de julho, os EUA divulgaram os números do mercado de trabalho e a geração de 4,8 milhões de novos postos de trabalho trouxe uma certa euforia para os investidores globais com a maior economia do mundo mostrando força na retomada do mercado de trabalho e o desemprego recuando de 13,3% para 11,1% da população economicamente ativa. Aqui no Brasil, tivemos os dados do desemprego que saltou de 12,6% da população economicamente ativa no trimestre terminado em abril para 12,9% no trimestre terminado em maio. Pela primeira vez desde que a série começou a ser apurada pelo IBGE, menos da metade das pessoas em idade de trabalhar está ocupada. Houve ainda um aumento significativo dos desalentados, aqueles que desistiram de procurar emprego, e da mão de obra subutilizada, aqueles que gostariam de trabalhar mais mas não conseguem. Outro dado importante da semana foi a divulgação dos números da indústria, que segundo o IBGE cresceu 7% na comparação com abril e interrompeu dois meses seguidos de resultados negativos. O mais importante foi o crescimento generalizado alcançando todas as grandes categorias econômicas, bens de capital, bens intermediários,bens de consumo, bens de consumo duráveis, semiduráveis e não duráveis e 20 dos 26 ramos pesquisados. Com o resultado apresentado, a indústria brasileira se encontra a 34% abaixo do pico atingido em maio de 2011 e a 21,2% do resultado de março, antes da pandemia.

Diante deste cenário, o ministro Paulo Guedes anunciou na semana passada a criação de uma secretaria especial no seu ministério, que seria uma fábrica de ideias, capaz de nos ajudar na saída da crise e de turbinar nosso crescimento no pós covid-19, o que é conhecido nos EUA como THINK TANK. Seria uma ponte entre o Ministério da Economia e o mercado, o setor privado em geral. Acho que mais uma vez a área econômica do nosso governo sai na frente de forma criativa e proativa e, na minha opinião, só estamos atravessando esta crise da forma que estamos atravessando graças à competência da gestão do Ministério da Economia e do Banco Central, que foram considerados referências pela rapidez e qualidade das medidas propostas. E é por isso que acredito que sairemos dessa crise em J. Como disse Roberto Castelo Branco, presidente da Petrobrás, sairemos da crise melhores do que estávamos antes. Que venham as reformas tributária e administrativa. E, XÔ COVID!

Rita Mundim é economista, mestre em Administração e especialista em Mercado de Capitais e em Ciências Contábeis

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