Pandemia causa atrasos nas obras de recuperação de Mariana

Atualmente, obras contam com um terço da força de trabalho prevista

Pandemia causa atrasos nas obras de recuperação de Mariana
Foto: Divulgação Fundação Renova / NITRO Histórias Visuais

O processo de reassentamento das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, precisou ser reestruturado. Por conta da pandemia da covid-19, Fundação Renova, responsável pelo processo de reparação dos danos causados, está sofrendo com atrasos.

A barragem rompeu em 5 de novembro de 2015. Seu rastro de destruição deixo 19 mortos, comunidades inteiras arrasadas e impactou dezenas de municípios ao longo da bacia do Rio Doce.

O diretor-presidente André de Freitas disse que, em janeiro, a expectativa era chegar ao fim de 2020 com 85% do projeto concluído. Em março tudo mudou e foi necessário parar as obras, para evitar a disseminação do vírus na comunidade e entre os trabalhadores.

“A gente tirou todo mundo dos canteiros, porque a única coisa que a gente não queria ser era um vetor de transmissão de covid, tanto para as comunidades em que a gente trabalha, como para os nossos colaboradores”, disse Freitas, em coletiva virtual nesta sexta-feira (23) para apresentar os resultados parciais do programa de recuperação dos danos causados pelo rompimento em Mariana, que no dia 5 de novembro faz 5 anos.

Freitas lembrou que, em Minas Gerais, o rompimento causou impacto nos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana; e Gesteira, em Barra Longa. Depois de algumas etapas do retorno de operações nos canteiros, hoje, a Renova está com um terço da força de trabalho antes prevista antes da pandemia para este período. Os reassentamentos de Bento Rodrigues e de Paracatu, atualmente deveriam estar com 5 mil trabalhadores.

“Teve um impacto bastante significativo na nossa capacidade de operação nos reassentamentos. A gente mudou a estratégia. Como consegue ter menos gente na obra por questão de restrição do espaço e para operar sempre dentro das condições com segurança, focamos os esforços na infraestrutura. A gente espera chegar no fim do ano com 95% das obras de infraestrutura construídas”, afirmou, destacando que estão incluídas aí ruas asfaltadas, água potável, prédios públicos como escolas, postos de saúde, postos de serviços e estação de esgoto.

Segundo o diretor-presidente, há 37 casas em processo de construção, duas concluídas e até o fim do ano, três ou quatro devem estar prontas. “Com esse investimento focado em infraestrutura a gente consegue avançar com maior velocidade em 2021 na construção das casas que ainda permanecem. Isso foi algo que exigiu ajuste na nossa estratégica”, apontou.

Freitas disse que, além dos atrasos, o processo de reassentamento é complexo e prevê a participação dos atingidos. “Quando se fala em reassentamento, muitas vezes a imagem que vem na nossa cabeça é em algo bastante padronizado, quase na linha do Minha Casa, Minha Vida, uma coisa bastante simples, e não é. A gente está construindo cidades inteiras. É um processo muito complexo, extremamente participativo, onde os atingidos sentam com os arquitetos e falam como eram as suas casas no passado, falam como gostariam que fosse, escolhe os materiai”, pontuou.

Atrasos

O diretor-presidente reconheceu que é muito tempo levar cinco anos para reconstruir a cidade de Bento Rodrigues, mas ponderou que é um processo inédito e altamente participativo. Só a escolha do terreno levou mais de um ano. “A gente tem um processo de várias etapas e várias medidas acordadas com o Ministério Público e as comunidades. Ele é muito complexo, que é o que a gente acredita que deve ser”, observou, acrescentando que o trabalho, mesmo com os atrasos, vai entregar para a comunidade de Bento Rodrigues algo consistente com o futuro que a cidade deseja.

Além dos reassentamentos coletivos, a Renova está fazendo a modalidade de reassentamento familiar. “A gente adquire imóveis, reforma e dá todas as condições para as pessoas que optaram por esta modalidade. Já são aí 49 imóveis adquiridos nesse processo”, concluiu.

Água

Freitas contou que o processo de reparação tem ainda outros desafios, além dos atrasos. Um deles é a água do Rio Doce, que foi atingida pelos rejeitos tóxicos da barragem do Fundão. De lá saíram aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que causaram grande impacto, principalmente nos 100 primeiros quilômetros do rio até a Usina Risoleta Neves, de Candonga. Grande parte, segundo ele, foi retida, mas nos outros 600 quilômetros do rio até a foz foi uma partícula muito mais fina, que permaneceu na calha do rio. “É claro que esse rejeito impactou a qualidade”.

De acordo com o executivo, são cerca de 6 mil pessoas envolvidas no processo de reparação de Mariana até a foz do Rio Doce. Ele garantiu que a qualidade da água vem se recuperando com o trabalho já realizado. “Hoje a gente pode afirmar que a qualidade da água voltou aos patamares que ela tinha antes do rompimento. Essa água pode e vem sendo consumida desde que tratada com um sistema convencional como é a realidade de qualquer outro rio do país.”.

O diretor-presidente acrescentou que também é possível atestar a qualidade da água porque já havia dados anteriores ao rompimento, elaborados pelo Instituto de Águas de Minas Gerais. “A gente tem dados pretéritos sobre essa qualidade da água e consegue afirmar que a água retornou a patamares semelhantes ao que tinha antes do rompimento”, assegurou.

Esgoto

O saneamento é outra questão que vem sendo enfrentada na recuperação, o que para Freitas, é o principal desafio ambiental da água do Rio Doce. Ele destacou que as estimativas do Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Doce indicam que 80% do esgoto na região é lançado sem tratamento no rio. Dos municípios incluídos no projeto da Renova, 25 chegam a coletar o esgoto nas casas, mas lançam tudo no rio sem tratamento. “Pelos nossos cálculos a gente estima que todo ano é lançado esgoto sem tratamento no Rio Doce, em um volume de mais ou menos 140 milhões de metros cúbicos, três vezes o volume de rejeitos que saíram de Fundão para a Bacia de Rio Doce. Então, o desafio grande ambiental para a água é esse”.

A Renova, conforme informou, investe aproximadamente, R$ 600 milhões em ações de saneamento básico nos municípios da região atingida pelo rompimento da barragem, a grande maioria para tratamento de esgoto e uma parte menor para destinação de resíduos sólidos.

“Com isso a gente espera resolver uma parcela desse desafio do esgoto que existe no Rio Doce, através de nossos recursos compensatórios que são os para serem investidos em ações para a sociedade, que não têm a ver com o impacto do rompimento da barragem”, afirmou. Segundo Freitas, a estimativa é que a Renova invista R$ 300 milhões para as obras de saneamento nos próximos três anos. E ela também pode influenciar nos atrasos das obras.

Para ele, essas obras vão ajudar os municípios a alcançarem as metas do novo marco geral do saneamento básico, com os investimentos feitos também na capacitação técnica e no fortalecimento da infraestrutura das cidades. “Os municípios da calha do Rio Doce, com esses investimentos vão estar melhor posicionados para cumprir com os objetivos do marco do saneamento. A gente espera que eles consigam capitalizar em cima desses recursos e resolver ainda uma parcela maior desse desafio do esgoto”.

Indenizações

Nos quatro anos de trabalho da Fundação Renova foram pagos cerca de R$ 2,6 bilhões para mais de 320 mil pessoas, em indenizações e auxílios financeiros, para as que conseguiram comprovar que sofreram danos. Mas, de acordo com Freitas existe a barreira para atender os atingidos que não conseguem fazer a comprovação, uma vez que o Código Civil brasileiro diz que a indenização não pode ser feita sem o dano comprovado. “É uma questão do marco legal brasileiro, mas a gente reconhece que a situação da calha do Rio Doce é de grande informalidade e as pessoas têm essa dificuldade de comprovar”, relatou.

Mas essa dificuldade está sendo contornada com uma solução construída a partir de uma decisão da 12ª Vara Federal para dois municípios, Baixo Guandu, no Espírito Santo; e Naque, em Minas Gerais, que definiu um novo sistema de indenização com uma alta flexibilização dos processos de comprovação e, de acordo com o diretor-presidente, com valores bastante atrativos, chegando perto na maioria dos casos de R$ 100 mil para cada ofício a ser indenizado.

“A gente vem processando essas indenizações novas. Em algumas semanas já chegamos a mais de 350 casos pagos, mais de R$ 30 milhões pagos nessas indenizações. A gente vem ganhando escala, recentemente, saiu uma decisão similar da 12ª Vara Federal para o município de Linhares ampliando um pouco a decisão para Naque e Baixo Guandu, trazendo novas categorias que não haviam sido incluídas lá. A gente está muito animado em fazer com que esse sistema avance e dar resposta para as pessoas que estão esperando e que tinham uma dificuldade de avançar justamente por causa dessa fragilidade na comprovação”, concluiu.

Agenda integrada

No final de 2019 foi elaborada uma agenda integrada para o uso de recursos compensatórios que se materializou em 2020 nos municípios da região atingida pelo rompimento nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Freitas informou que são recursos que não têm nada a ver com os impactos do rompimento da barragem, mas serão investidos em infraestrutura. “Com os dois estados se construiu uma agenda para investimentos em infraestrutura, saúde e educação na ordem de R$ 830 milhões. A gente tem um forte investimento em estrada no Espírito Santo e em Minas. Isso fortalece o acesso a muitas regiões. A gente entende que essas estradas vão ser um vetor de desenvolvimento econômico de longo prazo para a região”.

Além disso, estão sendo aplicados R$ 75 milhões na reestruturação do Hospital de Governador Valadares, que estava com as obras paralisadas há cinco anos. “É um hospital regional que atende a uma área onde vivem cerca de 1,5 milhão de pessoas também é um benefício para a sociedade como um todo. Na educação, são R$ 240 milhões investidos em 900 escolas das redes estadual e municipal, beneficiando quase 300 mil alunos com a reestruturação das escolas.”. Segundo Freitas, “tem muita coisa já feita e bastante para fazer ainda”, concluiu.

*Conteúdo Agência Brasil