“Há um acúmulo de crises como nunca houve”, afirma Zuenir Ventura
O jornalista e escritor participa, nesta quarta-feira, da estreia do Sempre um Papo – Itabira
Em 1968, o Brasil enfrentava, havia quase quatro anos, uma ditadura militar — e estava prestes a lidar com as consequências do Ato Institucional Nº 5 (AI 5), imposto pelo general Arthur da Costa e Silva, e que deu início a um período de censura e repressão que viria marcar o cenário político-cultural do país sob o comando dos militares.
No mesmo ano, uma efervescência social criaria ecos por todo o globo, influenciando, nas próximas décadas, os mais diversos cenários e transformaria o mundo. Esse período foi repleto de tensões — simbolizados em eventos como a Primavera de Praga, o assassinato de Martin Luther King, as revoltas de maio de 68 e a passeata dos 100 mil, dentre outros. Essas manifestações, sobretudo o próprio cenário brasileiro, serviram como inspiração e pano de fundo para o livro “1968: o Ano que não Terminou”, do jornalista Zuenir Ventura.
Desde então, já se passaram 53 anos. A ditadura militar chegou ao fim e o Brasil voltou às vias democráticas — porém, sem deixar de lado as tensões que têm sido marcas dessa jovem República. Atualmente, atravessamos uma grave crise política, institucional e ética, além de uma pandemia, a de Covid-19, sem precedentes em nossa recente história. E é justamente neste novo e conturbado cenário que Zuenir Ventura estreia, nesta quarta-feira (14), às 19h, a edição itabirana do aclamado projeto Sempre um Papo.
Para essa primeira rodada de conversa, Zuenir Ventura abordará o seu livro “Minhas Histórias dos Outros”, que ganhou reedição da Companhia das Letras. Nessa obra, o jornalista recorre às suas memórias e anotações, além de consultas à jornais e revistas, para apresentar personagens importantes da nossa história — inclusive o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade.
Por meio desse recorte, o jornalista retrata mudanças comportamentais, políticas e sociais do Brasil desde o início dos anos 1950. Em uma extensão do trabalho memorialístico e documental já apresentado em “1968: o Ano que não Terminou”.
Como aperitivo ao saboroso bate-papo de quarta-feira, a reportagem da DeFato conversou com Zuenir Ventura. Confira a seguir!
DeFato: Itabira recebe pela primeira vez essa parceria com o Sempre um Papo. Como é estrear essa série de bate-papos em uma cidade que tem a sua memória e história tão associada à literatura?
Zuenir Ventura: Ia propor mesmo falar de Itabira, com a qual tenho uma “história”! Estou muito orgulhoso de estrear Sempre um Papo em Itabira, amo o programa e a cidade. Sou leitor de “O Trem”, no qual já fui até notícia. Dei uma entrevista à coluna “Pão e Circo”, do Marcos Caldeira Mendonça, falando da histórica entrevista que dei ao Drummond, quando ele não falava com a imprensa.
Digo isso sem cabotinismo porque o mérito do “furo” não foi meu, foi dele. Marcos escreveu: “O telefone fez trimmm na redação da revista Veja e avisa que o poeta se oferecia para dar entrevista ao jornalista Zuenir Ventura. Não era trote. “Eu fui um homem qualquer”, com esse título foi publicada em novembro de 1980, há 40 anos”.
DeFato: No livro “Minhas História dos Outros” você relembra a sua trajetória, os personagens que conheceu e fatos importantes que contribuíram para a construção histórica e social do país. Como foi o processo de criação desse livro?
Zuenir Ventura: Não quis fazer uma autobiografia, fiz o que chamo de “alter-biografia”, isto é, biografia dos outros. Em meio a lembranças pessoais e coletivas, estão as principais mudanças comportamentais, políticas e sociais revividas em episódios conhecidos e desconhecidos, de personagens famosos e anônimos.
Pela diversidade da narrativa, “Minhas Histórias dos Outros” é como o romance real de uma época que houve do melhor e do pior: revolução sexual e arrojadas aventuras existenciais, mas também flagelos planetários como a Aids (a agora Covid-19), depressão e euforia, choro de alegria e de tristeza.
Há momentos cômicos e surpreendentes como a entrevista com Fidel Castro, que ele nunca devolveu a gravação para publicar, ou a foto acidental da calcinha branca de Jacqueline Kennedy. E há dramas pungentes como a saga de um menino, testemunha do crime contra Chico Mendes. O final da primeira edição registra que de todas as minhas histórias esta foi e está sendo a mais difícil de viver e de contar. Nesta edição tive a sorte de escrever um final feliz.
DeFato: Vivemos um período de animosidades políticas e sociais. No livro “1968: o Ano que não Terminou” você relata um dos períodos de maiores tensões na nossa história. Você acha que os tempos atuais, de alguma forma, remetem às tensões daquele período?
Zuenir Ventura: Você pede um paralelo entre aqueles tempos e os atuais. Estes, os de hoje, são de certa maneira piores porque, ao contrário da ditadura militar, por exemplo, não se sabe quando vão terminar. “Amanhã será um outro dia”, cantava Chico Buarque.
Hoje, quando se vê luz no fim do túnel, pode estar certo que é carro na contra mão. Além disso, há um acúmulo de crises como nunca houve: crise ambiental, econômica, política, de saúde, ética. E uma pandemia como nunca se viu e nunca se sabe quando — e se — vai acabar.
DeFato: Como você interpreta o atual período político e social do país?
Zuenir Ventura: Há no livro uma definição do jornalista que eu gostaria de ressaltar: “Não viemos à Terra para julgar, nem para prender ou condenar; viemos para olhar e, depois, contar. Não somos juízes, não somos promotores, somos jornalistas, somos testemunhas de nosso tempo, uma testemunha crítica, não necessariamente de oposição, mas implacavelmente crítica”.
Sempre Um Papo Itabira – com Zuenir Ventura
Dia 14 de abril, quarta-feira, às 19h
Local: YouTube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo
Informações: www.sempreumpapo.com.br