Com retirada americana, Taleban avança contra cidades do Afeganistão

Desde que a retirada de tropas americanas começou, em maio, o número de mortos entre civis bateu recorde e mais de 100 mil pessoas já deixaram o país

O Taleban avançou no fim de semana contra algumas das maiores cidades do Afeganistão e já domina praticamente metade do território do país, em meio a temores de um agravamento do confronto com forças afegãs. É o maior avanço do grupo em áreas urbanas desde a invasão americana, em 2001.

Desde que a retirada de tropas americanas começou, em maio, o número de mortos entre civis bateu recorde e mais de 100 mil pessoas já deixaram o país, com medo do agravamento dos conflitos. Os militares americanos devem deixar o país este mês.

No sábado (30), os combatentes do Taleban lançaram foguetes nos aeroportos de Kandahar e Herat, duas das maiores cidades e centros econômicos mais movimentados do país. Os ataques interromperam as viagens comerciais, embora os voos de entrada e saída de Herat tenham sido retomados.

Os ataques marcam um ponto de virada potencial no conflito afegão. Anteriormente, os confrontos eram em grande parte confinados às áreas rurais do país ou cidades menores disputadas pelos militantes.

Ataques convencionais em grande escala em Kandahar e Herat, a segunda e a quarta maiores cidades do país, têm o potencial de colocar em perigo milhões de civis. Outro alvo da ofensiva Taleban é a cidade de Lashkar Gah, na fronteira do Afeganistão com o Tajiquistão.

Os relatórios iniciais sugeriram que o ataque com foguete contra Kandahar veio do lado leste da cidade, onde os combatentes do Taleban avançaram. Autoridades locais esperam mais ataques nos próximos dias, por causa da deterioração da situação de segurança e da remoção de um sistema antimísseis americano que protegia o campo de aviação antes da retirada das forças americanas da província de Kandahar.

Os ataques do Taleban na província de Kandahar já duram meses, mas nos últimos dias o grupo começou a se aproximar do centro da cidade, a capital.

As linhas de frente que cruzavam os subúrbios agrícolas há apenas algumas semanas atrás agora abrangem bairros densamente povoados. A apenas algumas centenas de metros de um bairro controlado pelo Taleban na fronteira oeste de Kandahar, as forças do governo transformaram um salão de casamentos e uma opulenta casa de vários andares em bases improvisadas.

Fuga

Milhares de civis estão sendo forçados a fugir de suas casas. Mais especificamente na cidade de Kandahar, acampamentos improvisados surgiram em terrenos baldios.

Jalil Ahmad, 30, disse que sua casa foi destruída por um ataque de morteiro e que seus ouvidos ainda zumbiam com a explosão. Ele disse que uma unidade policial assumiu uma posição de tiro no telhado de sua casa e que os combatentes do Taleban retaliaram com uma rajada de morteiros.

“Uma parede inteira desabou sobre a minha família”, disse ele. “Nunca vimos uma luta assim em nossa área antes.”

Em Herat, as forças especiais afegãs foram enviadas para a capital no domingo para ajudar a conter os avanços do Taleban. Os combatentes do Taleban violaram os limites da cidade e um complexo da ONU foi atacado, com os confrontos durando horas. As Nações Unidas condenaram o ataque. Um comunicado do Taleban descreveu a destruição como lamentável, dizendo que o grupo continua comprometido em proteger a ONU.

Avanços

A pressão do Taleban sobre as principais cidades ocorre em um momento em que o grupo continua a espremer capitais de província muito menores em áreas há muito contestadas por militantes. Em Helmand, uma província que é uma das menos estáveis do Afeganistão há anos, os combates se intensificaram na semana passada, aumentando os temores de que a capital da província caísse. Os combatentes do Taleban avançaram para dentro dos limites da cidade e estão constantemente se aproximando do complexo do governo central.

As forças afegãs responderam com ataques aéreos. Um ataque aéreo atingiu um pequeno hospital nos arredores da cidade no sábado, matando o parente de um paciente e ferindo outras quatro pessoas, incluindo um paciente e três funcionários, de acordo com o diretor do hospital, Mohammad din Naraiwal.

À medida que os ataques aéreos se aproximavam nos últimos dias, Naraiwal comunicou-se repetidamente com as forças do governo afegão, pedindo-lhes que não atacassem as instalações. Ele disse que nenhum combatente do Taleban estava presente no prédio quando foi atingido. “Estou preocupado que se o governo reabastecer suas forças, haverá mais combates”, disse.

EUA ampliam programa de refugiados

Com o avanço da ofensiva do Taleban contra regiões sob controle do governo do Afeganistão, os Estados Unidos anunciaram, nesta segunda-feira (2), que vão receber milhares de refugiados do país. A principal preocupação é com cidadãos afegãos que auxiliaram forças militares americanas durante quase duas décadas de guerra.

Em comunicado, o Departamento de Estado afirmou que os critérios de elegibilidade do programa de refugiados americano serão ampliados. “À luz do aumento dos níveis de violência por parte dos talebans, o governo americano trabalha para oferecer a alguns afegãos, incluindo aqueles que trabalharam com os Estados Unidos, a oportunidade de se beneficiarem dos programas de admissão de refugiados”, informou.

Até o momento, cerca de 20 mil afegãos se inscreveram no programa voltado a intérpretes que trabalharam com as forças americanas.

“Esta designação amplia a oportunidade para milhares de afegãos e seus familiares imediatos, que podem estar em risco devido à sua proximidade com os Estados Unidos, de se instalarem de forma permanente”, acrescenta a nota.

Ainda de acordo com o Departamento de Estado, os critérios de seleção serão expandidos para incluir afegãos que trabalharam em ONGs e em veículos de comunicação americanos, assim como em projetos financiados por Washington. Além dos intérpretes, afegãos que trabalharam em outras funções nas forças militares americanas, e não foram selecionados anteriormente, agora poderão ser aceitos como refugiados nos Estados Unidos.

Por todo o Afeganistão, um êxodo em massa vem ocorrendo à medida que o Taleban prossegue com sua brutal campanha militar, tendo capturado mais da metade dos mais de 400 distritos do país, segundo alguns cálculos. E com isso o temor de um retorno a um governo extremista cruel ou de uma guerra civil sangrenta entre as milícias etnicamente alinhadas toma conta das pessoas.

Até agora neste ano, cerca de 330 mil afegãos se deslocaram para outras áreas do país, e mais da metade abandonou suas casas desde que os Estados Unidos começaram a retirar seus soldados do país, segundo as Nações Unidas.

Muitos foram para acampamentos improvisados ou se acotovelaram em casas de parentes em cidades, os últimos nichos sob controle do governo em muitas províncias. Outros milhares tentam obter passaportes e vistos pretendendo deixar totalmente o país. Outros se abarrotam em picapes de contrabandistas num recurso desesperado para atravessar ilegalmente a fronteira.

Nas últimas semanas, o número de afegãos atravessando ilegalmente aumentou entre 30% a 40%, comparado com o período antes de as tropas estrangeiras começarem a sair do país, em maio. Agora, pelo menos 30 mil pessoas fogem do Afeganistão a cada semana.

A ONU teme um número “sem precedentes” de civis mortos ou feridos no país se os combates continuarem. Em seu relatório sobre as vítimas civis no primeiro semestre de 2021, a missão da ONU no Afeganistão (Unama) prevê para este ano o maior número desde 2009, quando teve início esse balanço anual. “As baixas de civis no Afeganistão no primeiro semestre de 2021 atingiram níveis recordes com um aumento particularmente brutal de mortes e feridos desde maio”, assegura a Unama.

Ao todo, 1.659 civis perderam a vida e 3.254 ficaram feridos entre janeiro e junho, um aumento de 47% em relação ao mesmo período de 2020. O número de vítimas foi especialmente alto em maio e junho: 783 civis mortos e 1.609 feridos. E quase metade das vítimas no primeiro semestre são mulheres e crianças.

* Com Estadão Conteúdo.

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